domingo, 22 de junho de 2014

A lei Cultura Viva como política nacional de Estado.

A partir de 2003, com a gestão do presidente Lula e sua política de democratização das políticas públicas no Brasil, os ideais de produção cultural tomaram um novo rumo com a posse do artista e ministro Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Esta gestão desde o início mostrou que buscava um caráter democratizante e pretendia lançar na esfera das políticas culturais novas diretrizes para a gestão do MinC ao criar novos decretos e novas alternativas de políticas de cultura.
De acordo com a historiadora e especialista em políticas culturais Lia Calabre, na gestão Gil aconteceu de fato uma proposta mais democrática de pensar as políticas culturais. “O programa garantia que estariam na pauta do governo as seguintes questões: 
a) Cultura como política de Estado;
b) Economia da Cultura; 
c) Gestão Democrática; 
d) Direito à memória; 
e) Cultura e comunicação e, 
f) Transversalidade das políticas culturais.” (CALABRE, 2009, p. 298)

Nesta fase, além da ampliação do entendimento de cultura num olhar antropológico, foram prioridade no MinC a criação de novas secretarias e programas que privilegiaram a democratização das verbas de cultura, como o programa Cultura Viva, que instituiu a publicação de editais para fomentar a criação dos Pontos e Pontões de Cultura, e a Secretaria de Diversidade Cultural, que prioritariamente buscou incluir na pasta ministerial projetos vindos de minorias como indígenas, ciganos, quilombolas, comunidades afastadas, etc.
O programa Cultura Viva foi criado em 2004 pelo historiador e gestor público Célio Turino e seus objetivos principais traziam como proposta:
• Reconhecer iniciativas e entidades culturais;
• Fortalecer processos sociais e econômicos da cultura;
• Ampliar a produção, fruição e difusão culturais;
• Promover a autonomia da produção e circulação cultural;
• Promover intercâmbios estéticos e interculturais;
• Ampliar o número de espaços para atividades culturais;
• Estimular e fortalecer redes estéticas e sociais;
• Qualificar Agentes de Cultura como elementos estruturantes de uma política de base comunitária do Sistema Nacional de Cultura.

Os Pontos de Cultura são, de acordo com pesquisa do Ipea realizada por  Frederico Silva e Herton Araujo, “unidades institucionais para onde convergem processos relacionados com a vivência da cultura. A criação e a experiência artística.” (2010, p. 63)
Em 2007, final dos primeiros três anos de programa, isto é, período de finalização de contratos de seu primeiro edital, os Pontos de Cultura já estavam localizados em pelo menos 203 municípios brasileiros, distribuídos por todos os estados da federação, totalizando aproximadamente 526 pontos. 
A pesquisa do Ipea mostra que a maior parte desses Pontos eram associações sem fins lucrativos, mas também ONGs, comunidades, artistas e órgãos públicos foram beneficiados. Em 10 anos do programa foram beneficiados e criados mais de cinco mil Pontos de Cultura nos quatro cantos do país, sendo aproximadamente 700 só no estado de São Paulo.
Numa pesquisa realizada para a Teia 2014, foram reunidas informações de 2.700 pontos de cultura atualmente em atividade em todo país e, com isso, criado um novo mapa virtual sobre a localização desses pontos. Uma das metas do Plano Nacional de Cultura estabelece que até 2020 o país tenha pelo menos 15 mil pontos de cultura em atividade.
Uma ONG ou comunidade, ao se tornarem um Ponto de Cultura, passam a receber o montante de R$ 80 mil ao ano (valor atual) e, para os Pontões, em média R$ 180 mil/ ano (valor do último edital em 2012). Dentro deste montante, por contrato, os Pontos são obrigados a comprar um kit multimídia no valor de R$ 20 mil. 
Os equipamentos do kit devem ser comprados em diálogo com a proposta cultural apresentada no edital. Com este kit, o espaço passa a não apenas realizar a proposta cultural aprovada, mas também a gerar produtos culturais, recursos extras e trocar equipamentos com outros pontos.
O programa também prevê uma troca de informações e experiências entre os pontos a partir de encontros nacionais e regionais chamados de Teia. A última delas aconteceu em Natal no mês de maio de 2014 e estabeleceu uma série de prioridades e metas a serem atingidas pelos pontos. Estas metas dialogam não apenas com o programa e com a lei Cultura Viva atualmente em fase final de aprovação, mas também com o Sistema Nacional de Cultura, a partir das as metas propostas pelo Plano Nacional de Cultura.
A partir da adesão ao Sistema Nacional de Cultura, alguns Estados e municípios têm lançado seus próprios editais de Pontos de Cultura, como aconteceu na cidade de São Paulo em janeiro de 2014, atualmente em tramitação, e que selecionará 85 novos Pontos de Cultura Municipais num investimento de R$ 13,6 milhões.
A transformação do Programa Cultura Viva em Lei Federal está a um passo de ser finalmente consumada. A lei, criada pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) a partir do PLC 90/2013, instituirá a Política Nacional de Cultura Viva. No dia 4 de junho o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a partir do texto substitutivo do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). Neste mesmo dia, com o apoio da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, o projeto foi finalmente incluído na pauta de votações do Senado. 
Com a relatoria do Senador Sérgio Rollemberg (PSB-DF), a lei foi aprovada por consenso na plenária Senado e assim o PLC segue para sua promulgação no Congresso na próxima terça-feira (10/6), onde deverá ser aprovada e levada para a sanção final da presidente Dilma Rousseff.
Com a emenda apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e sugestões repassadas pelo Ministério da Cultura, a Lei Cultura Viva, entre outras providências, limita a três anos a renovação de projetos aprovados dos Pontos e Pontões de Cultura. 
Essa limitação visa um maior comprometimento dos Pontos e Pontões para a gestão de seus projetos propostos e maior organização, para então concorrerem em um novo edital para o recebimento das verbas por mais três anos. Porém no texto aprovado da nova lei não estão incluídos alguns pontos originais da proposta, como os Griôs e a formação de agentes culturais.
A Lei prevê, além da instituição do programa como lei federal, também um cadastro nacional desses Pontos, o que poderá facilitar não apenas a organização da gestão dessas verbas, mas principalmente o contato entre os milhares de Pontos e o fortalecimento da rede.
Para atingir a meta do PNC de termos 15 mil Pontos de Cultura até 2020 é essencial que seja aprovada a PEC 150, em trâmite há pelo menos 10 anos, e que busca ampliar a verba da cultura de 0,6% para 2% do orçamento federal, 1,5% dos estados e 1% dos municípios.
Referências
CALABRE, Lia. Políticas culturais: reflexões e ações. Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural. São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2009.
QUEIROZ, Inti. Projeto cultural: as especificidades de um novo gênero do discurso. 199f. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2014.
SILVA, Frederico; ARAUJO, Herton E. Cultura Viva: avaliação do programa arte educação e cidadania. Brasília: IPEA, 2010.
TURINO, Célio. Ponto de Cultura: o Brasil de baixo para cima. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.

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