sábado, 13 de maio de 2017

Você quer mesmo Cultura? Então prove! (por Guto Leite).

A primeira lei de Sócrates, “físico” grego do século quinto antes de Cristo, diz o seguinte: quanto maior a distância entre ricos e pobres e menos democrática for uma sociedade, piores serão as condições para que alguém se emancipe, logo, mais precários serão os quadros de educação, cultura e arte. Mais infalível do que as leis de Newton, esta primeira “lei de Sócrates” tem se manifestado com força nos últimos dois ou três anos, quando correntes antidemocráticas e regressivas se tornaram dominantes no Brasil, fazendo eco no estado e na cidade de Porto Alegre.
De maneira prática, houve uma desarticulação há muito não vista nos ministérios da Cultura e da Educação, a retirada de apoios fundamentais para o desenvolvimento de uma ciência autonomista, a extinção de diversas fundações no estado – dentre elas a Fundação Piratini, maior espaço midiático de educação, cultura e arte de que dispomos – e o discurso sempre pronto, repetido à exaustão até que se torne verdade, de que é preciso economizar sempre e de que não há dinheiro para cultura.
Mais sutilmente, o jogo é bastante pesado e desanimador em termos de construção de ideologia, com as pessoas não só deixando de cobrar das administrações municipal, estadual e federal o devido investimento nessas áreas, como também sumindo dos espetáculos, com notícias de uma série de shows de exímios artistas locais com 10, 20, 30 pagantes.
Um redemoinho poderoso formado por crise sistêmica do capitalismo, golpe de Estado, propaganda, alienação, virtualização etc. e muitas das práticas mantenedoras da nossa riqueza cultura se veem em maus lençóis, lutando e esperando que a conjuntura se altere o quanto antes, com medo de que estruturas bastante sólidas e longínquas se desmontem de uma hora pra outra.
É nessa esteira que dois festivais nos quais estou envolvido parecem quase uma investida quixotesca de seus organizadores. O primeiro, a Festipoa Literária, produzido por Fernando Ramos, chega à sua décima edição, entre 04 e 13 de maio – do qual serei anfitrião da homenageada Heloísa Buarque de Hollanda. Seu formato é composto de saraus, mesas-redondas, festas e oficinas; salvo o show de Vitor Ramil, adiado para o dia 10 de maio, tudo gratuito. 
O segundo, os Diálogos Contemporâneos, produzido pela Denise Weinreb, está na primeira edição, entre os dias 04 e 27, na sala Multiuso do Santander Cultural e com apoio da Casamundi – dele sou idealizador e curador. Às quintas (18h-20h), sextas (16h-20h) e sábados (10h-12h), o evento é composto por painéis, oficinas e mesas-redondas, cada semana com um gênero: conto, cinema, poesia e romance; trazendo escritores, cineastas e professores de várias partes do país. Os Diálogos têm uma proposta autossustentável, em que os valores das inscrições são remetidos diretamente para o pagamento dos custos, sem lucros.
Cansei de presenciar a luta para a organização da Festipoa, especialmente nos últimos dois, três anos, como frisei a princípio. De mesmo modo, agora acompanho de perto as dificuldades dos Diálogos de se colocarem como um local de experiência e produção de cultura na cidade, mesmo sem se pensar como negócio. Nos momentos em que estou mais animado, acho que a culpa é nossa, dos agentes de cultura, que deveríamos divulgar mais, lutar mais, fazer (ainda) mais barato, dar (ainda) mais incentivos para as pessoas etc. Nos momentos de desânimo, parece que nadamos contra a corrente e mesmo quem diz que apoia a cultura, na hora agá, não comparece a qualquer um desses eventos, ou em outros, salvo os suspeitos e suspeitas de sempre. Em expressão precisa do poeta Ricardo Aleixo sobre os artistas, “somos a vanguarda da precarização”.
Há tanta variedade nesses festivais, e temos também artistas tão diversos, e os valores envolvidos são tão baixos, ou de graça, que não é possível que seja culpa dos artistas. É responsabilidade do público interessado valorizar e ocupar os espaços de cultura. Não podemos fugir a essa responsabilidade, inclusive em termos de resistência. Haverá sempre uma parte da população que acha literatura, cinema, música, artes plásticas etc. uma perda de tempo! E haverá sempre governos muito interessados que continuemos de joelhos e sem entender nada. Mesmo que seja pra apanhar, a educação, a cultura e arte nos levantam, e não há nada mais valioso do que isso nesse mundo.
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Guto Leite é poeta, compositor popular, professor de Literatura Brasileira (UFRGS).

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